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STJ inova ao regular acesso a bens digitais em heranças

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou, em setembro de 2025, um recurso especial oriundo de um inventário em São Paulo, envolvendo os bens deixados por Andrea de Azevedo Marques Trench Agnelli, vítima de um trágico acidente aéreo junto ao marido e filhos. A herdeira Maria Waldeci Silva Agnelli buscava acessar iPads dos falecidos sem senha, alegando possível existência de informações patrimoniais. O tribunal rejeitou a expedição de novo ofício à Apple, mas determinou a instauração de um procedimento específico para lidar com bens digitais.

 Em voto vencedor da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma decidiu, por maioria, que o acesso deve ocorrer via incidente processual paralelo ao inventário, apensado aos autos. Esse mecanismo visa identificar, classificar e avaliar bens digitais, garantindo a transmissão de todos os ativos aos herdeiros sem violar direitos de personalidade, como a intimidade do falecido ou de terceiros. O juiz será assessorado por um "inventariante digital", profissional com expertise técnica, para evitar paralisação do processo principal.

 A decisão reconhece o vácuo legislativo sobre herança digital, propondo uma solução analógica a outros institutos processuais, sem caracterizar ativismo judicial. Andrighi enfatizou que a obtenção de informações patrimoniais é ato integrativo ao inventário, não configurando "questão de alta indagação" que exija ação autônoma. Assim, equilibra o princípio constitucional da transmissão integral de bens com a proteção à privacidade, adaptando o direito sucessório à era digital.

 O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva divergiu, votando pelo provimento total do recurso. Ele defendeu a sucessão universal sem distinção entre bens patrimoniais e existenciais, argumentando que herdeiros têm legitimidade para acessar todo o acervo digital, como ocorre com bens analógicos. Cueva citou precedentes internacionais, como na Alemanha e França, onde conteúdos digitais são transmitidos aos sucessores, e criticou a criação obrigatória de incidente processual como potencial entrave burocrático.

 Esse julgamento representa um marco no direito brasileiro, modernizando procedimentos sucessórios frente à revolução tecnológica. Ao exigir cuidados na classificação de bens digitais, o STJ incentiva debates sobre privacidade post mortem, podendo influenciar futuras leis e práticas judiciais em um mundo cada vez mais conectado, onde ativos virtuais como contas e dados financeiros integram heranças cotidianas.

 Fonte: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=337321673&registro_numero=202302551092&peticao_numero=&publicacao_data=20250926&formato=PDF